A cada 45 minutos, em média, uma menina entre 10 e 14 anos se tornou mãe no Brasil em 2023. Dos cerca de 2,5 milhões de partos realizados no país naquele ano, 303.279 foram de adolescentes – 13.939 entre 10 e 14 anos e 289.340 entre 15 e 19 anos. Os dados são os mais recentes, já que os de 2024 ainda não foram fechados, e mostram que a sociedade – famílias, escola e profissionais de saúde – ainda precisam falar muito sobre o assunto. E a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, entre este sábado (1º) e o dia 8 de fevereiro, coloca o tema em debate.
Entre 2021 e 2023, o número de partos de adolescentes caiu 11,8%, de acordo com a Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e da Adolescência (Sogia). Em 2021, 13,6% das crianças nascidas eram de mães adolescentes. Essa taxa caiu para 12,3% em 2022 e para 12% em 2023, segundo a associação.
Gravidez na adolescência
“Os números ainda são muito preocupantes, mas é preciso enaltecer essa queda que vem acontecendo”, afirma a médica ginecologista Cláudia Barbosa Salomão, presidente do Departamento de Ginecologia da Infância e Adolescência da Sociedade Mineira de Pediatria, membro do Comitê da Infância e Adolescência da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig) e vice-presidente Sudeste da Sociedade Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência.
Para a médica, a redução nos casos reflete o impacto positivo de uma comunicação clara e eficaz com pacientes, pais e responsáveis. “Há um mito de que falar sobre sexualidade com os adolescentes os expõe a mais riscos, mas é justamente o contrário. Jovens bem orientados têm mais consciência para tomar decisões seguras e responsáveis”, afirma.
A médica explica que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera que o período da adolescência abrange a faixa etária de 12 a 18 anos incompletos. “Mas, sob o ponto de vista de saúde, para a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde, o adolescente tem de 10 a 19 anos”.
Prevenção
São vários os fatores que levam à gestação na adolescência. O principal motivo ainda é a desinformação sobre sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos. Questões emocionais, psicossociais e contextuais também contribuem, inclusive para a falta de acesso à proteção social e ao sistema de saúde.
A proteção da adolescente, explica Salomão, é formada por um “quadripé”. É preciso informar os pais sobre a importância de se falar em casa sobre prevenção e riscos da gestação nessa fase da vida, estimular a educação sexual nas escolas e garantir o acesso a profissionais de saúde (o antigo “tripé”). A esse “tripé”, é preciso acrescentar a orientação da adolescente para que acesse canais confiáveis nas redes sociais. “O próprio médico pode direcionar essa adolescente para uma rede confiável que fale sobre métodos contraceptivos e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis”, diz.
Médico do adolescente
A médica lembra que, na maioria das vezes, o adolescente sai do pediatra e fica sem ter referência no atendimento de saúde. “Por adoecer pouco, o adolescente muitas vezes fica sem ir ao médico. É preciso progredir muito para que ele tenha rotineiramente sua assistência à saúde”, alerta.
As dificuldades são muitas. Primeiro, porque o Brasil é um país gigante, diz Salomão. Por isso ela defende que é preciso “desmistificar” o médico especialista em adolescente. “A gente tem que deixar claro que clínicos gerais, médicos da família, ginecologistas e pediatras podem se familiarizar com as temáticas da saúde na adolescência”, afirma.
“Quem trabalha com adolescentes preconiza que médicos se familiarizem com a temática e estudem o tema. É preciso haver um estímulo constante dos profissionais de saúde para que se capacitem para isso”, diz. Ela explica que a adolescente não precisa esperar a consulta do ginecologista para sair com um anticoncepcional. “O médico pode fazer isso e encaminhá-la ao ginecologista para a avaliação clínica”. Assim, diz, evita-se que, nesse hiato até a consulta ginecológica, haja uma gravidez na adolescência não planejada.
A médica lembra que a família deve participar da consulta para também receber as informações. Mas ela ressalta que toda adolescente a partir de 12 anos tem o direito, por lei, à confidencialidade. “Pela lei federal, ela já é uma adolescente, e não há problema ético. Em algum momento, o médico vai propor privacidade e confidencialidade, e esse momento, se ela quer ficar sozinha ou não, deve ser respeitado”, explica. Questões protetivas devem ser orientadas pelo médico da adolescente.
Primeira consulta ginecológica
A médica explica que a puberdade é uma fase sensível, que desperta muitas dúvidas entre os pais. Uma das principais questões é o momento ideal para a primeira consulta ginecológica. O acompanhamento ginecológico deve começar no início da adolescência, por volta dos 10 anos, a partir dos primeiros sinais da puberdade. Os sinais típicos da puberdade, diz, incluem:
- Broto mamário (por volta dos 10 anos);
- Desenvolvimento de pelos (por volta dos 11 anos);
- Primeira menstruação (por volta dos 12 anos).
“Essa consulta é fundamental para esclarecer mudanças corporais, discutir saúde reprodutiva e reforçar a importância da vacinação contra o HPV, que é essencial para prevenir o câncer de colo de útero””, afirma.
Além de abordar aspectos relacionados à puberdade, a primeira consulta ginecológica permite que o médico avalie a saúde geral da adolescente. Segundo Salomão, alterações no padrão esperado, como sinais de puberdade antes dos 8 anos ou ausência de desenvolvimento até os 13/14 anos, devem ser avaliadas por um médico.
Grávidas de 10 a 14 anos
Do total das adolescentes que se tornaram mães em 2023, 4,6% tinham entre 10 e 14 anos. O que preocupa, afirma Salomão, é que essas gestações estão, em sua grande maioria, relacionadas à violência sexual. “É preciso ter olhos muitos sensíveis (para esses casos), inclusive pela questão legal, porque caem na lei de estupro de vulnerável”, ressalta.
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Riscos na gravidez na adolescência
Os riscos orgânicos na gravidez na adolescência para a faixa etária de 10 a 14 são maiores do que entre 15 e 19 anos. “É fácil de entender que, em uma gravidez de uma menina de 11 anos, estamos lidando com uma menina que acabou de sair da infância”, diz Salomão. “No nosso meio, além de problemas como diabetes gestacional, podem ocorrer anemia materna, nascimento prematuro e mortalidade”. Segundo ela, a assistência médica durante o processo gravídico minimiza os riscos à saúde e psicossociais, por isso é extremamente importante fazer o pré-natal.
A médica ressalta, no entanto, que a grande maioria das gravidezes na adolescência não é planejada. Ela lembra, ainda, que a gestação na adolescência leva à perpetuação do ciclo de pobreza, ao abandono escolar e à dificuldade de se conseguir emprego. Então, diz, é preciso agir no ponto para que ela não engravide, levando informações à adolescente e às famílias. “É preciso levar a adolescente ao profissional de saúde antes da gravidez. Deve haver liberdade para conversar em casa e (o responsável) acompanhá-la ao médico”.
10 pontos para reduzir a gravidez na adolescência
- Sensibilizar e capacitar profissionais da saúde para o atendimento de adolescentes e promover reciclagem periódica destes profissionais;
- Garantir o fornecimento de métodos contraceptivos gratuitos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), incluindo os LARCs (sigla em inglês para “Long-acting reversible contraceptives”, que significa “Métodos Contraceptivos Reversíveis de Longa Duração”);
- Promover rodas de conversa com grupos de adolescentes e formar entre eles, agentes multiplicadores;
- Estimular o envolvimento dos adolescentes na criação de aplicativos ou vídeos educativos com divulgação monitorada.
- Promover interface com as secretarias de Educação, Saúde, Cultura e Esporte e poder público, Executivo e Legislativo, buscando ações para medidas legislativas;
- Estabelecer parceria com instituições de ensino superior nas áreas de saúde, educação, esporte, cultura e entidades cientificas;
- Incentivar pesquisas na rede pública com financiamento e premiações;
- Estabelecer linha de cuidado nas UBS e nas unidades de Programa da Família;
- Criar espaços de atendimento em locais vulneráveis;
- Estimular a troca de experiências exitosas interestaduais nacionais e internacionais.
Fontes: Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e da Adolescência (Sogia) e Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)