O consumo de bebida alcoólica teve um custo de R$ 18,8 bilhões em 2019 para o Brasil e provocou 12 mortes a cada hora. É o que aponta o estudo “Estimação dos custos diretos e indiretos atribuíveis ao consumo do álcool no Brasil”. Feito pela Fiocruz Brasília, o trabalho foi apresentado na última segunda-feira (4).
Para se ter uma ideia, as mortes por bebida alcoólica em 2019 são quatro vezes mais do que as por câncer em 2020. Quatro anos atrás, 28.618 brasileiros morreram com a doença, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Já o custo representa 61,6% do valor que o governo federal pretende investir até 2026 para ampliar o atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Equivale, ainda, a 8,6% do orçamento total da saúde em 2024.
Custo alto
Dos R$ 18,8 bilhões destinados às consequências do consumo do álcool, R$ 1,1 bilhão refere-se a custos diretos com hospitalizações e atendimentos no SUS. Os indiretos representam R$ 17,7 bilhões. Esse valor se refere, por exemplo, a perdas de produtividade por mortalidade prematura, licenças e aposentadorias precoces decorrentes. Inclui ainda as perdas de dias de trabalho por internação hospitalar e licença médica previdenciárias.
Dentro das estimativas indiretas está o custo previdenciário, que atingiu R$ 47,2 milhões em 2019. Do total, 78% (R$ 37 milhões) foram referentes aos gastos com o público masculino; 22% foram relacionados às mulheres (R$ 10,2 milhões).
Mortes
O levantamento usou como base estimativas de mortes atribuíveis ao álcool feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim, considerou o total de 104,8 mil mortes em 2019 no Brasil para o cálculo.
Os homens decerto são as principais vítimas do consumo de álcool – representaram 86% das mortes. Quase metade delas foi decorrente de doenças cardiovasculares, acidentes e violências. No público feminino (14% das mortes), os malefícios do álcool levaram a doenças cardiovasculares e vários tipos de câncer em mais de 60% dos registros.
Impactos na saúde
“Nesse cenário, fica clara a necessidade de adoção de medidas como o imposto seletivo sobre bebida alcoólica. Essa é uma das ações recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para reduzir o consumo de álcool e, consequentemente, seu impacto negativo. Com a redução do consumo, podemos salvar vidas. E reduzir os impactos sociais do álcool, poupando bilhões de reais todos os anos”, afirma Pedro de Paula. Ele é diretor executivo da Vital Strategies, que, junto com a ACT Promoção da Saúde, pediu o estudo como parte da iniciativa RESET Álcool.
Diferenças por gênero
O custo do SUS com a hospitalização de mulheres relacionada a problemas decorrentes do consumo de bebida alcoólica responde por 20% do total. Ou seja, é bem inferior ao custo com o público masculino. Isso porque a prevalência de consumo de álcool pelas mulheres é menor, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019). Nessa pesquisa, cerca de 31% das entrevistadas relataram ter consumido álcool nos 30 dias anteriores a pesquisa, enquanto o percentual masculino foi o dobro – de 63%.
Outra razão, por exemplo, refere-se ao fato de que as mulheres procuram mais os serviços de saúde e fazem mais exames de rotina. Isso acaba prevenindo as complicações mais graves de saúde. “Quando os homens procuram o serviço de saúde possivelmente já estão com a saúde muito mais comprometida. Isso acarreta mais hospitalizações”, afirma Eduardo Nilson, pesquisador da Fiocruz e responsável pelo estudo.
No atendimento ambulatorial, mas mulheres são responsáveis por quase metade dos atendimentos ambulatoriais. “Mesmo com a prevalência de consumo de álcool entre elas seja menor”, explica Nilson. Quanto à faixa etária, as pessoas entre 40 e 60 anos procuram mais o atendimento ambulatorial. Nesse caso, 55% dos custos referem-se às mulheres e 47,1% aos homens.
Alerta para as mulheres
Dados do Vigitel mostram que, entre 2006 e 2023, a ocorrência de consumo abusivo de álcool (quatro ou mais drinques em uma mesma ocasião) quase dobrou entre as mulheres. A tendência de aumento de consumo entre elas também é comprovada pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2019. Enquanto 60% dos adolescentes do sexo masculino já tinham experimentado álcool antes dos 17 anos, 67% das meninas já tinham tido o comportamento no mesmo período.
“É preciso um olhar muito cuidadoso para a população feminina a fim de frear esse crescimento estimulado por mudanças culturais e pelo próprio esforço da indústria de bebida alcoólica em deixarem seus produtos com um apelo mais unissex”, comenta Luciana Sardinha. Ela é diretora adjunta de Doenças Crônicas não Transmissíveis da Vital Strategies.
Custos indiretos
Quando se trata dos custos indiretos, o estudo ainda mostra predominância dos impactos na população masculina. Os impactos econômicos indiretos do consumo de álcool são vastos e multifacetados. Segundo o pesquisador da Fiocruz Brasília Eduardo Nilson, há implicações significativas na produtividade e na força de trabalho, resultando em absenteísmo, presenteísmo (quando o trabalhador comparece ao trabalho, mas apresenta queda na produtividade), acidentes de trabalho e mortes prematuras evitáveis. Além disso, a ingestão de bebida alcoólica está associada a um aumento no comportamento criminoso, incluindo violência doméstica, crimes e ocorrências de trânsito.
Metodologia
O estudo “Estimação dos custos diretos e indiretos atribuíveis ao consumo do álcool no Brasil” considerou doenças e mortes associadas ao consumo de álcool com uma relação dose-resposta entre a quantidade consumida de álcool e o risco relativo dos desfechos a partir de metanálises publicadas e utilizadas pelo estudo de Carga Global da Doença (GBD – Global Burden of Disease) e pela OMS.
Em conjunto com a prevalência de consumo de álcool para cada grupo de sexo e idade, foi estimada qual a carga atribuível para cada doença, segundo faixa de consumo de álcool, aplicada posteriormente para os custos por doença.
As informações sobre custos diretos foram obtidas em bases de dados públicos como sistemas de informação em saúde e relatórios e microdados de pesquisas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os custos diretos atribuíveis ao consumo do álcool incluíram informações do SUS a partir de dados de internações hospitalares (Sistema de Informações Hospitalares – SIH/SUS) e de procedimentos ambulatoriais (Sistema de Informações Ambulatoriais – SIA/SUS), desagregados por tipo de doença atribuível ao consumo de álcool, sexo e idade.
Abordagem conservadora
“Importante destacar que o estudo adotou uma abordagem conservadora, já que é baseado exclusivamente em dados oficiais de fontes públicas, como os dados relativos ao SUS e pesquisas populacionais do IBGE, e em nível federal, considerando os gastos da União e não incluindo complementos de custeios por Estados e municípios”, afirma Nilson.
“O levantamento também não considera os custos da rede privada de saúde, nem o total de perdas econômicas à sociedade. Portanto, embora quase R$ 19 bilhões or ano já seja uma cifra extremamente significativa, o custo real do consumo de álcool para a sociedade brasileira é provavelmente ainda muito maior”, diz o autor do estudo.
Campanha sobre efeitos nocivos da bebida alcoólica
O trabalho foi divulgado junto ao lançamento da segunda fase da campanha publicitária do programa RESET Álcool. A iniciativa tem como objetivo conscientizar legisladores e a sociedade sobre os efeitos nocivos do álcool para a saúde e o para bem-estar social, tendo em vista a discussão do imposto seletivo sobre bebida alcoólica no âmbito da reforma tributária.
Promovida pela Vital Strategies e a ACT Promoção da Saúde, a campanha intitulada “Quer uma dose de realidade?” será veiculada em São Paulo, Rio de Janeiro e em locais estratégicos de Brasília por um período de 30 dias. Estará presente em mídias digitais como o Facebook, Instagram, além de sites e portais de notícias. Também estão previstas transmissões em canais de TV fechada, rádio e outdoors. A agência Moringa é responsável pelo desenvolvimento criativo de toda a campanha.
A Vital Strategies é uma organização global de saúde presente em mais de 80 países que trabalha com governos e sociedade civil para conceber e implementar estratégias e políticas para enfrentar alguns dos maiores desafios mundiais de saúde pública. A ACT Promoção da Saúde, uma organização não governamental, trabalha para desenvolver e defender políticas públicas que combatam doenças crônicas não transmissíveis.
Leia mais:
Tomar bebida alcoólica todo dia pode levar à hipertensão
Novos dados do Ministério da Saúde mostram consumo abusivo e beber e dirigir no Brasil em 2023
Sete vilões da pressão alta
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias