Fim do jejum no exame de colesterol será para poucos
Para maioria, abstinência cai de 12 para 8 horas; saiba por quê
O jejum para exames de sangue de colesterol e de triglicérides acabou? Para a maioria das pessoas, ainda não. “A mudança (fim do jejum) vai beneficiar principalmente crianças, idosos, gestantes e diabéticos”, diz a médica cardiologista Tania Martinez, coordenadora de Cardiologia Preventiva da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). A população em geral também será beneficiada, mas não estará livre do jejum: o prazo cai das 12 horas exigidas anteriormente para 8 horas agora – um período muito mais razoável e mais fácil de ser adaptado à rotina de quem trabalha fora, por exemplo.
Recentemente, o Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico dispensou a necessidade de jejum de 12 horas para exames do triglicérides e, consequentemente, do colesterol LDL calculado (leia explicação abaixo). Tania ressalta, no entanto que, para obter o perfil lipídico de um paciente e avaliar seus riscos, é preciso fazer também a glicemia. E, para esse exame, alerta Tania, ainda são necessárias 8 horas de jejum.
“Em 80% a 90% dos casos, eu peço a glicemia junto. Tenho que avaliar o paciente como um todo, a condição metabólica dele. Então, uso o denominador comum dos exames de colesterol e de glicemia, que é pedir 8 horas de jejum”, diz a cardiologista. Ela conta que pacientes têm chegado ao consultório com recortes de jornal e de internet, alegando que não precisam mais ficar sem comer antes do exame. “Mas, muitas vezes, triglicérides e glicemia altos andam de mãos dadas”, alerta.
LDL e triglicérides
O exame de colesterol abrange o colesterol total e suas frações: LDL, HDL e VLDL. Saber o valor do LDL é importante para fazer o controle do paciente. E existem duas formas de obter o valor dessa fração: por cálculo ou por dosagem.
O LDL calculado (LDLc) é obtido por uma fórmula que usa os valores do colesterol total, do triglicérides e do HDL. “No Brasil, em mais de 90% dos casos, ainda é solicitado o LDLc, que é muito mais barato. É o tipo mais realizado nos laboratórios”, diz Tania. Ela ressalta que, para o exame de colesterol total, nunca foi necessário fazer jejum. Mas os médicos, geralmente, solicitam junto o exame de triglicérides – que, antes, exigia 12 horas sem alimentação e agora pode ser feito fora do jejum – para calcular o LDL.
Benefícios
Para a cardiologista, o fim do jejum para o exame de triglicérides é benéfico porque permite avaliar o risco de aterosclerose ao qual o paciente está sujeito no dia a dia. “Em jejum, estamos analisando o sangue em condição atípica do metabolismo. O melhor mesmo é poder interpretar esse valor no período de não jejum”, defende.
Com o fim do jejum, mudam os valores de referência do triglicérides. Para adultos maiores de 20 anos, os valores desejáveis são < 150 mg/dL em jejum e < 175 mg/dL fora do jejum; para crianças de até 9 anos, < 75 mg/dL em jejum e < 85 mg/dL fora do jejum; e para jovens de 10 a 19 anos, < 90 mg/dL em jejum e < 100 mg/dL fora do jejum. Quando o triglicérides for maior que 440 mg/dL, recomenda-se a repetição do exame, mas em jejum de 12 horas.
Já a dosagem do LDL (LDLd), explica Tania, é feita por um sistema automatizado. “O LDLd é solicitado, geralmente, quando o paciente tem histórico na família ou doença já diagnosticada para controle. Mas não é regra do nosso consultório pedir esse exame”, afirma. O grande problema é que o custo do LDL dosado é muito mais alto do que o LDL calculado.
Fórmula atualizada
A atualização do consenso inclui a sugestão de uma nova fórmula de cálculo para o LDLc. Atualmente, aplica-se a fórmula: LDLc = colesterol total – HDL – VLDL (o VLDL é calculado pelo valor do triglicérides dividido por 5). “Muitos laboratórios no Brasil utilizam a fórmula para concentrações de triglicérides até 400 mg/dL e, acima disso, ou não podem liberar os valores ou é preciso recorrer a outras formas de obter os valores de LDLc”, explica a médica patologista clínica Luisane Vieira, diretora técnica do Laboratório Geraldo Lustosa.
A nova fórmula recomendada sugere diferentes divisores para o cálculo do VLDL, à medida que aumentam os valores do triglicérides: LDLc = colesterol total – HDL – (triglicérides dividido por “x”), onde “x” varia de 3,1 a 11,9. “Isso significa que se pode calcular o LDLc com valores de triglicérides na amplitude de 7 mg/dL a 13.975 mg/dL com seus respectivos fatores. A correção traz um benefício importante, seja nas coletas com ou sem jejum”, explica Luisane.
Adaptação nos laboratórios
O documento com a nova normatização foi elaborado em conjunto pelas Sociedades Brasileiras de Cardiologia, de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), de Análises Clínicas (Sbac), de Diabetes (SBD) e de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). As mudanças vinham sendo discutidas há alguns anos, e o consenso foi distribuído aos laboratórios no início de dezembro. Alguns laboratórios já estão se adaptando e implementando as orientações.
O médico endocrinologista William Pedrosa, da assessoria científica do Laboratório Hermes Pardini, em Belo Horizonte, diz que eles já oferecem as duas opções de exames – com ou sem jejum – sem custo adicional e que estão se adaptando às mudanças. Basicamente, explica Pedrosa, o Hermes Pardini está atualizando a normatização do laudo, que precisa informar o tempo do intervalo do jejum e as notas técnicas, como os novos valores de referência do triglicérides, por exemplo.
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Opções
O Laboratório Geraldo Lustosa, na capital mineira, também já oferece as duas opções de exames. Luisane conta que eles atualizaram a fórmula de cálculo do LDLc e os novos valores de referência no sistema e que treinaram os funcionários para coletar informações sobre o intervalo do jejum e sobre as refeições do paciente antes da coleta.
A médica hematologista Mariana Cerqueira, diretora médica do Laboratório São Marcos, em Belo Horizonte, explica que eles oferecem os exames desde o início do ano. “Não houve mudança na forma como os exames são feitos, pois o kit é o mesmo usado anteriormente, por isso não houve alteração no custo”, diz. Segundo a médica hematologista, como o sistema é todo automatizado, foi necessário atualizá-lo.
Informações sobre o paciente
A coordenadora de Cardiologia Preventiva da SBC alerta que nem todos os laboratórios brasileiros têm condições de coletar as informações sobre o intervalo do jejum e refeições consumidas antes do exame. Segundo a cardiologista, a recomendação é o médico fazer isso ao interpretar o exame. “O médico terá a função que odeia: interpretar os resultados e ajudar a mudar estilo de vida do paciente. Precisará ser meio nutricionista, meio profissional de educação física… Porque, na maioria dos casos, você consegue reduzir o LDL com a adequação do peso do paciente”, explica.
Para a diretora técnica do Geraldo Lustosa, o ideal seria o médico, ao solicitar o exame, orientar o paciente, por ser mais próximo dele. Mas ela reconhece que as orientações podem mudar conforme o laboratório. “Então, o melhor é o paciente ligar para o laboratório e pegar as recomendações antes. Isso todo laboratório está capacitado a fazer”, afirma Luisane.
Flexibilização do tempo do jejum
Entenda o que muda com as novas recomendações
Tipo de exame | Como era antes | Como fica agora |
Colesterol total e frações (LDL dosado e HDL) | Sem jejum | Sem jejum |
LDL calculado | 12 horas | Alguns laboratórios eliminaram o jejum, mas outros não |
Triglicérides | 12 horas | Alguns laboratórios eliminaram o jejum, mas outros não |
Glicemia em jejum | 8 horas | 8 horas |
Fonte: Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico
Como ficam as responsabilidades
Para o paciente
Não poderá escolher fazer o exame sem jejum ao chegar ao laboratório. Terá de fazer o exame como foi solicitado pelo médico. No caso de exame sem jejum, não pode ter ingerido bebida alcoólica três dias antes e deve ter feito refeições leves.
Para os médicos
Como recomendação, cabe ao médico interpretar o resultado e, diante de alguma alteração no valor, questionar o paciente qual foi a alimentação antes do exame e se ingeriu bebida alcoólica três dias antes do exame. Alguns laboratórios solicitam essas informações antes da coleta do sangue, mas nem todos têm condições para fazê-lo.
Para os laboratórios
Como existem as duas realidades no Brasil, o laboratório que não tiver condições técnicas pode não aceitar fazer o exame sem jejum. Existe a recomendação para que o laboratório inclua no laudo o intervalo do jejum do paciente antes do exame.
Fonte: Médica cardiologista Tania Martinez, coordenadora do Departamento de Cardiologia Preventiva da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)
Gostaria de saber se uma criança de 5 anos tem necessidade de ficar 12 horas em jejum,para fazer o exames LDL calculado e Triglicérides ou 8 horas já é o suficiente?
Maisa,
Na teoria, segundo os médicos, o fim do jejum de 12 horas para os exames de colesterol e triglicérides beneficia principalmente as crianças, idosos e grávidas, que não aguentam ficar muito tempo sem se alimentar. Mas, na prática, isso dependerá de duas coisas: se o médico solicitou o exame sem o jejum e se o laboratório onde o exame será feito está capacitado tecnicamente para realizá-lo. As 8 horas de jejum são exigidas para o exame de glicemia. Portanto, se forem solicitados os exames de colesterol e de triglicérides sem o jejum de 12 horas, mas for pedido também o exame de glicemia, serão necessárias 8 horas de jejum. Converse com o pediatra para que ele esclareça suas dúvidas e para que ele avalie o que é melhor para o caso da criança. Espero tê-la ajudado.
Abraços,
Carla