A Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu um novo guia para alimentação complementar de lactentes e crianças de 6 a 23 meses de idade. O documento apresenta as principais diretrizes sobre o assunto. O texto traz orientações às famílias sobre amamentação, introdução alimentar e fórmula infantil, além do consumo de leite de vaca e outros alergênicos.
Um dos principais pontos que geraram grande repercussão entre pediatras e nutricionistas se refere à introdução alimentar precoce (antes dos seis meses para situações específicas). Quando o aleitamento materno não for possível, o uso das fórmulas só deve ocorrer até os 12 meses. A Agência Einstein procurou especialistas na área para debater o tema e auxiliar na orientação dos responsáveis pelas crianças em oferecer uma alimentação saudável.
Alimentação infantil
Agir de maneira correta durante a introdução alimentar, quando o leite materno ou a fórmula infantil não atendem as necessidades nutricionais da criança, pode influenciar toda a vida do pequeno.
“A introdução alimentar é um ponto sensível para muitas famílias. Isso porque existe grande preocupação em fazer o que é melhor para o bebê associada a orientações de diferentes profissionais e conselhos de familiares e amigos. O que fica ainda mais intenso com as redes sociais, que permitem que esses palpites cheguem o tempo todo de todos os lugares”, opina a pediatra Sabrine Teixeira Ferraz Grunewald, professora-adjunta do Departamento Materno Infantil da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais.
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Os primeiros anos de vida da criança é um período fundamental para que elas aprendam a aceitar alimentos e bebidas saudáveis. E, com isso, a estabelecer padrões alimentares em longo prazo. “Esse período coincide com o pico de risco de falha no crescimento e o aparecimento de deficiências nutricionais”, explica Vanessa Ramis Figueira, nutricionista sênior do Departamento Materno-Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein.
A especialista lembra, portanto, que as consequências da alimentação inapropriada nesse período podem estar relacionadas ao crescimento inadequado, desnutrição, excesso de peso e carências de micronutrientes. E esses problemas podem levar ao prejuízo do desenvolvimento motor, cognitivo e socioemocional e aumento do risco de doenças infectocontagiosas. “Outro ponto importante é que a prevalência de sobrepeso e obesidade aumentou muito nos últimos anos. Isso exige uma nova visão sobre o tema”, ressalta a nutricionista.
O documento da OMS, divulgado em outubro deste ano, tem o intuito de substituir as duas diretrizes anteriores relacionadas ao tema. Ambas – uma de 2003 e outra de 2005 – eram focadas na desnutrição e não contemplavam a população de alta renda, incluída neste novo guia. O documento considera as necessidades dos bebês que estão ou não no peito. Exclui, no entanto, as crianças prematuras, com baixo peso ao nascer, se recuperando de doenças graves ou com deficiências neurológicas.
Veja os itens que fazem parte do novo guia e as considerações dos especialistas ouvidos pela Agência Einstein em relação a eles:
1 – A amamentação deve continuar até dois anos ou mais
As principais instituições de saúde já defendem há tempos manter a amamentação após a introdução alimentar até, pelo menos, 24 meses de vida. O documento ressalta que as mães que amamentam necessitam de proteção, ambiente propício e assistência, como creches e salas de apoio no local de trabalho.
Em caso da necessidade de outro leite no lugar do materno dos 12 meses aos 23 meses, os autores consideram que não há evidências suficientes para recomendar o leite de vaca desnatado ao invés do integral ou o leite vegetal. Já os que têm adição de açúcares não são apropriados em nenhuma situação.
2 – No caso de crianças de 6 a 11 meses que não são amamentadas, fórmulas infantis e leite de vaca podem ser utilizados para alimentá-los. Já a partir de 1 ano de vida, não se recomendam as fórmulas infantis ou compostos lácteos.
Essa é uma das grandes diferenças do novo guia em relação aos lançados anteriormente. “Os estudos que compararam o consumo de leite de vaca com o de fórmulas infantis nessa faixa etária não encontraram diferenças nos desfechos relacionados a crescimento, desenvolvimento e adoecimentos na infância”, conta a pediatra Grunewald.
“Esse é um dos exemplos de que as diretrizes atuais procuraram ser mais flexíveis e devem considerar características individuais das famílias, além de aspectos culturais e econômicos envolvidos nessa decisão, afinal, o custo das fórmulas pode ser excessivo para muitas delas.”
Mas essa decisão precisa ser ponderada. “Existem posicionamentos da Sociedade Brasileira de Pediatria e de outras sociedades médicas evidenciando que a introdução de leite de vaca in natura antes do final do primeiro ano de vida pode desencadear problemas importantes, como maior risco de anemia, sangramentos intestinais e alergia alimentar”, diz o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg. Ele é membro do corpo de orientadores em pediatria e ciências aplicadas em pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares do Instituto Pensi, ligado ao Hospital Infantil Sabará.
“O leite materno é o alimento mais indicado para o suprimento de cálcio, vitaminas e minerais. Portanto, em caso de impossibilidade da continuidade da amamentação, indica-se o uso de fórmulas infantis adequadas à idade. Com certeza existem argumentos econômicos ligados ao seu preço que podem impedir o uso desse tipo de produto, além do risco de haver diluição inadequada. Por isso, a Sociedade Brasileira de Pediatria acredita que deveria haver algum tipo de subsídio para a população de baixa renda”, diz Fisberg. Ele também é membro titular do Departamento de Nutrologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
3 – A introdução de alimentos complementares deve ser iniciada a partir dos seis meses de idade
Apesar dessa recomendação, a diretriz reconhece, pois, que algumas crianças podem se beneficiar com a incorporação de alimentos antecipadamente. Isso levando em consideração riscos em potencial como o aumento da morbidade por doenças gastrointestinais em locais onde a higiene dos alimentos e da água não é adequada. E, ainda, a baixa qualidade nutricional dos alimentos complementares em comparação ao leite materno em países de baixa renda, desenvolvimento inadequado e risco de obesidade.
Ela também considera a preocupação com a introdução tardia – após os 6 meses de idade – de alimentos complementares devido à inadequação do leite materno em nutrientes essenciais, especialmente ferro, e o risco de isso afetar a aceitação de novos sabores e texturas. Além disso, evidências sugerem que atrasar a introdução de alguns alimentos, como nozes e amendoim, pode favorecer alergias alimentares em vez de preveni-las.
Diferencial
“Essa recomendação é um dos diferenciais do novo documento. As orientações brasileiras e internacionais destacam a introdução da alimentação complementar aos seis meses de vida. Nessa idade, a maioria dos bebês já apresenta desenvolvimento neuropsicomotor adequado para ser alimentada com segurança”, diz a pediatra.
“No entanto, a maioria dos estudos que comparou diferentes momentos para a introdução alimentar não encontrou diferenças estatisticamente significantes em relação a itens como ganho de peso, anemia, doenças respiratórias ou alérgicas. Dessa forma, os profissionais também devem considerar questões culturais e preferências familiares ao avaliar quando os alimentos devem começar a fazer parte da dieta da criança”, acrescenta.
“Há muitos anos, a Sociedade Brasileira de Pediatria adota o conceito da OMS que indica que o aleitamento materno deve ser exclusivo pelo menos até o sexto mês. Isso pode ser considerado uma orientação que tem o objetivo de proteger as mães e as crianças de todos os níveis sociais, garantindo as vantagens imbatíveis do leite materno”, diz Fisberg.
O pediatra e nutrólogo explica que, do ponto de vista clínico, considera o conceito da Academia Americana de Pediatria e da Sociedade Europeia de Pediatria, Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição (ESPGHAN), que preconiza o início da alimentação complementar após o sexto mês de vida.
Situações específicas
Em alguns casos, mediante avaliação do pediatra, pode-se, pois, iniciar a alimentação complementar entre o quarto e o sexto mês, segundo o especialista. Mas nunca antes das 16 semanas nem depois das 26 semanas de vida. Ele destaca que essa decisão requer a análise das curvas de crescimento e do estado nutricional materno, entre outros aspectos da mãe e do bebê. O especialista reforça, ainda, o conceito de que o aleitamento deve ser exclusivo pelo maior tempo possível.
4 – Crianças de 6 a 23 meses devem ter uma dieta diversificada
As diretrizes anteriores estabeleciam uma média calórica para esse período. Já a atual tem foco em uma dieta diversificada, com consumo diário de verduras, legumes, frutas e alimentos de origem animal. Leguminosas, nozes e sementes devem fazer parte do cardápio com frequência, especialmente quando carne, peixe ou ovos e vegetais têm restrição no cardápio. Deve-se reduzir o consumo de itens ricos em amido, pois não fornecem proteínas de alta qualidade ou nutrientes, como ferro, zinco e vitamina B12.
5 – Deve-se evitar alimentos ricos em açúcar, sal, gorduras trans, adoçantes e bebidas açucaradas e limitar o consumo de suco de fruta natural
A diretriz considera muito importante que ocorra o aconselhamento dos responsáveis em relação aos danos de curto e longo prazo no consumo desses alimentos.
“O documento destaca que os estudos que avaliaram a ingestão de sucos não revelaram evidências de impacto negativo em desfechos de saúde. Entretanto, como os concentrados são ricos em açúcar natural, ainda se recomenda evitá-los. Especialmente antes do primeiro ano de vida”, diz Grunewald.
“Por isso, ao contrário do que algumas páginas das redes sociais informaram de maneira errada, a OMS não liberou o consumo do suco de frutas.” Então, o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de 2 anos, publicado em 2019 pelo Ministério da Saúde, também não recomenda açúcar e preparações com esse ingrediente até os 24 meses.
6 – Pode-se indicar o uso de suplementos nutricionais e alimentos fortificados para crianças de 6 a 23 meses
Esses itens podem entrar em cena em algumas situações em que as necessidades de alguns nutrientes não estão sendo atingidas por meio da alimentação normal. Mas é essencial que isso só aconteça diante de recomendação médica e levando em consideração a necessidade de cada uma e a situação da região onde mora.
7 – Deve-se estimular a alimentação responsiva
“As diretrizes anteriores, pois, estabeleciam um número de refeições diárias dependendo do consumo e das metas nutricionais. Já a atual ressalta a importância de se incentivar as crianças de 6 a 23 meses de idade a se alimentarem de forma responsiva. Ou seja, incitadas a comer de forma autônoma, respeitando suas preferências, desenvolvimento, necessidades fisiológicas e apetite e incentivando a auto-regulação”, explica Figueira.
Fonte: Agência Einstein