08 - maio - 2024
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Paralisia infantil: a ‘vacina da pólio’ é gotinha ainda?

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A paralisia infantil, ou poliomielite, é prevenida com a imunização na infância. Atualmente, no Brasil, são ministradas três doses injetáveis, além de dois reforços com a dose oral. Em julho, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou que a vacina oral contra a poliomielite será substituída pela injetável. Mas e aí, a ‘vacina da pólio’ é gotinha ainda?

A substituição da vacina oral contra a poliomielite, a “gotinha”, pela versão injetável será feita de forma gradual ao longo do ano de 2024. Hoje a gotinha é dada como reforço aos 15 meses de idade e aos 4 anos. As doses aos 2, 4 e 6 meses de vida da criança são aplicadas com a versão injetável contra a pólio. A dose de reforço aplicada atualmente aos 4 anos não será mais necessária, já que o esquema vacinal com quatro doses vai garantir a proteção contra a pólio.

Vacina da pólio é gotinha?

De acordo com o diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, Eder Gatti, a recomendação de substituição da gotinha foi debatida e aprovada pela Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização. Durante live da ministra da Saúde, Nisia Trindade, com a Sociedade Brasileira de Pediatria, no dia 7 de julho deste ano, Eder Gatti explicou que novas evidências científicas para proteção contra a doença levaram à recomendação.

Segundo a médica pediatra Isabela Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), a substituição da vacina oral contra a poliomielite, composta por vírus da pólio enfraquecidos, pela vacina injetável de vírus inativado é uma programação prevista para todos os países, mas não é uma medida urgente. Portanto, a ‘vacina da pólio’ é gotinha ainda para os reforços dados aos 15 meses de idade e aos 4 anos.

Maior segurança

Isabela explica que todas as vacinas de vírus atenuados, como a ‘vacina da pólio’ em gotinha, são contraindicadas para imunodeprimidos e para crianças que vivem com pessoas com a imunidade comprometida. Por isso, desde 2016, as três primeiras doses de contra a pólio são obrigatoriamente injetáveis. O Ministério da Saúde reforça que todas as vacinas ofertadas à população são seguras, eficazes e aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

As sociedades médicas de imunizações, pediatria e infectologia já sugeriram, há muitos anos, a troca da ‘vacina da pólio’ em gotinha pela injetável, conta o médico epidemiologista José Geraldo Leite Ribeiro, professor emérito da Faculdade de Ciências Médicas, vice-presidente da SBIm, seção MG, e assessor científico do laboratório Hermes Pardini. 

Ribeiro diz que a vacina oral atual é bivalente e tem os vírus pólio 1  (p1) e pólio 3 (p3) enfraquecidos. Quando foi adotada, o vírus pólio 2 (p2) selvagem foi erradicado. No entanto, o p2 readquiriu capacidade de transmissão. “Nossa vacina oral não protege (dessa nova versão do vírus p2, já registrada fora do Brasil). A vacina injetável tem o p1, p2 e p3 (vírus inativados)”, explica. O Brasil, com isso, afirma Ribeiro, tinha duas alternativas. “Ou recuperava a cobertura vacinal ou deixava de usar a vacina oral”, conclui.

A troca, segundo o médico epidemiologista, não implica aumento de custos para o governo. A vacina oral, explica, também também é importada, sendo envasada no Instituto Butantan (SP). “No passado, a decisão, que devia ser técnica, teve interferência política”, lamenta.

“É uma vacina melhor, mais completa, muito eficaz, não traz nenhum risco”, defende ele. “E a própria OMS fala que, no caminho (pelo fim da poliomielite no mundo),  tem de parar com a pólio oral – que é um vírus atenuado eliminado nas fezes”, afirma Ribeiro.

Como fica o calendário?

O médico epidemiologista diz que, com a troca, não serão usadas mais cinco doses como no calendário atual – 3 doses de inativada e 2 doses da oral. “Pode simplesmente substituir ou fazer esquema de quatro doses – o que é adequado. Os americanos fazem 2 doses no primeiro ano, um reforço com 1 ano e outro reforço com 4 anos. Será o que o PNI (Programa Nacional de Imunizações)  achar mais adequado. Não vejo problema nisso. É uma decisão operacional”, esclarece.

A poliomielite, erradicada no país desde 1989, pode matar ou provocar sequelas motoras graves. Desde 1989, não existe notificação de caso de pólio no Brasil. Mas mesmo assim a baixa cobertura vacinal no ano passado, de apenas 77%, preocupa.

Os índices de vacinação contra a poliomielite têm apresentado queda desde 2016, última vez em que o país superou a marca de 90% de cobertura vacinal do público-alvo. A meta do Programa Nacional de Imunizações (PNI) é vacinar entre 90% e 95% das crianças menores de 5 anos. Mas a proteção nunca esteve tão baixa. 

Alerta é dado

A baixa cobertura vacinal preocupa porque, apesar de o Brasil ter registrado o último caso da doença em 1989, há 34 anos, outros países ainda não erradicaram a doença, o que pode fazer o vírus voltar a circular por aqui. Um caso recente da doença foi confirmado em Loreto, no Peru, o que aumentou a vigilância nas fronteiras.

Em maio deste ano, durante um evento internacional sobre imunobiológicos, a presidente da Câmara Técnica de Poliomielite do Ministério da Saúde, Luiza Helena Falleiros, destacou o conjunto de fatores que levaram a esse cenário e disse que existe um risco evidente. “Com o processo de imigração constante, com baixas coberturas vacinais, a continuidade do uso da vacina oral, saneamento inadequado, grupos antivacinas e falta de vigilância ambiental, vamos ter o retorno da pólio. O que é uma tragédia anunciada”, afirmou.

Luiza Helena lembrou que sempre se diz que as vacinas são vítimas do seu próprio sucesso. “Hoje ninguém mais viu um caso de pólio. Não se tem essa noção de risco enorme, mas ele existe. E não tem milagre nem segredo. Tem que vacinar.”

A pesquisadora citou um estudo do Comitê Regional de Certificação de Erradicação da Pólio 2022, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que aponta o Brasil como segundo país das Américas com maior risco de volta da poliomielite, atrás apenas do Haiti.


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‘Não foi acidente’ 

“As pessoas ficam muito surpresas quando eu digo ‘não foi acidente de carro não, foi paralisia infantil’”, explica a médica Rivia Ferraz, 51, quando perguntam por que usa uma prótese na perna direita? “Parece que as pessoas esqueceram o que foi a paralisia infantil”, diz ao se referir à doença que tem preocupado as autoridades de saúde, já que a poliomielite, conhecida como paralisia infantil, está com a cobertura em queda no Brasil.

A médica disse que nasceu sem nenhuma patologia. “Mas aos 9 meses eu contraí a poliomielite e foi por falta da vacinação”. Ela explica porque não recebeu a vacina contra a pólio. “Isso foi em 1971, já tem algumas décadas, a gente não tinha o SUS [Sistema Único de Saúde]. Sou do Nordeste, de Maceió, cidade linda, mas lá não tinha muitos recursos e naquela época só tinha campanhas, não era como hoje, que em qualquer unidade de saúde você leva seu filho e vacina. Quando houve campanha, eu estava com febre e vomitando, não podia tomar a vacina, aí quando eu estava bem, não tinha a disponibilidade da vacina”.

Nesse intervalo, ela acabou contraindo o vírus da poliomielite. “É um vírus que em algumas crianças pode até não causar sintomas, como acontece hoje com a Covid-19, algumas pessoas nem desenvolvem sintomas, com a poliomielite é a mesma forma. Mas crianças desenvolveram a forma grave, que foi o meu caso, que tem o ataque da medula, que acaba trazendo consequências nas células nervosas motoras, que acaba causando uma paralisia flácida”.

Rivia estava justamente na fase de dar os primeiros passos quando a mãe percebeu que ela ficava de pé, mas logo caía. “Ela me levou para uma avaliação médica e foi diagnosticada a paralisia. Passei por 14 cirurgias para conseguir caminhar um pouco, agora estou com esta órtese que é muita boa em me dar segurança para andar, passei por várias fases com e sem órteses, com e sem bengalas, para ter maior estabilidade e mais segurança”.

Saiba mais

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a grande maioria das infecções não produz sintomas, mas de 5 a 10 em cada 100 pessoas infectadas com esse vírus podem apresentar sintomas semelhantes aos da gripe. Em 1 a 200 casos, o vírus destrói partes do sistema nervoso, causando paralisia permanente nas pernas ou braços. 

Não há cura. Os principais efeitos da doença são ausência ou diminuição de força muscular no membro afetado e dores nas articulações. Embora muito raro, o vírus pode atacar as partes do cérebro que ajudam a respirar, o que pode levar à morte. Há 30 anos, a pólio paralisou quase 1.000 crianças por dia em 125 países em todo o mundo, incluindo países das Américas, informou a Opas.

E o Zé Gotinha?

Em 1994, o Brasil foi certificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), junto com os demais países das Américas, como livre da poliomielite. O combate à doença fez surgir um dos personagens mais conhecidos da cultura médica nacional, o Zé Gotinha. O nome se refere à Vacina Atenuada Oral (VOP), a ‘vacina da pólio’ em gotinha, aplicada como dose de reforço dos 15 meses aos 4 anos de idade. A vacina está disponível em todos os centros públicos de saúde e pode ser administrada simultaneamente com as demais dos calendários de vacinação do Ministério da Saúde.

Para aqueles que estão preocupados que isso represente o fim do Zé Gotinha, o Ministério da Saúde esclarece que ele não vai desaparecer. O personagem vai continuar na missão de sensibilizar as crianças, os pais e os responsáveis em todo Brasil nas campanhas de vacinação. “Nós, que trabalhamos com imunização há tantos anos, usamos o personagem (Zé Gotinha) para todas as vacinas. E ele é muito bem aceito”, conclui Ribeiro. (Com informações da Agência Brasil)

Glossário

  • Vacina Oral Poliomielite (VOP) – É uma vacina oral atenuada bivalente, ou seja, composta pelos vírus da pólio tipos 1 e 3, vivos, mas “enfraquecidos”. Contém ainda cloreto de magnésio, estreptomicina, eritromicina, polissorbato 80, L-arginina e água destilada.
  • Vacina Inativada Poliomielite (VIP) – Por ser inativada, não tem como causar a doença. É uma vacina trivalente e injetável, composta por partículas dos vírus da pólio tipos 1, 2 e 3. Contém ainda 2-fenoxietanol, polissorbato 80, formaldeído, meio Hanks 199, ácido clorídrico ou hidróxido de sódio. Pode conter traços de neomicina, estreptomicina e polimixina B, utilizados durante a produção.
Fonte: Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)
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Carla Chein
Carla Chein
Carla Chein é jornalista com pós-graduação em jornalismo científico. Tem experiência em jornal impresso e como professora no curso de jornalismo.

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