26 - abril - 2024
InícioSua história aquiTransplante de órgãos: o depoimento de um jovem

Transplante de órgãos: o depoimento de um jovem

- Patrocinado -

“Fui salvo por um gesto de amor”

“Minha mãe já tinha um ano de falecida quando descobri que eu também tinha uma doença cardíaca. Ela não suportou a espera na fila de transplante, o coração dela não chegou, não houve doadores para ela. Foi um momento triste em minha vida. Eu tinha apenas 7 anos. Junto com meu pai, recomeçamos nossa caminhada, a minha luta contra a evolução da minha doença.

Eu tinha uma miocardiopatia hipertrófica, ou seja, as paredes de meu coração eram muito espessas. Isso dificultava a sua contratilidade e o perfeito bombeamento do sangue para o corpo. Descobri a doença em uma consulta. A pediatra auscultou meu coração e percebeu um “sopro” forte. Um barulho alto quando o sangue passava espremido pela válvula cardíaca em direção ao corpo. Fui encaminhado ao cardiologista pediátrico e, após o exame de ecocardiograma, confirmou-se a cardiopatia.

No primeiro momento, não tive sintomas. Tratava com medicação, basicamente, um betabloqueador para reduzir o batimento cardíaco. Mas, com o passar do tempo, percebia que meu condicionamento físico não era o mesmo das outras crianças. Por recomendação médica, minhas atividades físicas precisaram ser limitadas, diante de um risco de morte súbita. Esse era o risco da doença.

Cheguei à minha pré-adolescência levando minha vida de remédios e exames, mas tinha uma vida relativamente normal. Meu pai, sempre comigo, cuidava dos tratamentos e das preocupações, e isso me tranquilizava e me deixava viver sem traumas.

Como a doença é evolutiva, meu coração foi hipertrofiando ainda mais, algumas arritmias foram aparecendo, chegando ao ponto de eu ter que, por precaução, implantar um CDI (cardioversor desfibrilador implantável). É um tipo de marca-passo complexo que, além de poder regular o ritmo cardíaco, era um desfibrilador pronto a me dar um choque se eu tivesse uma parada cardíaca.

Complicações

Cheguei aos meus 16 anos e meu quadro foi se agravando. Já perdia rendimento escolar e chegava a ter algumas descompensações – quadro em que o bombeamento não é suficientemente capaz de irrigar do sangue todo do meu corpo. Meu fígado inchava, e algumas internações foram necessárias. Em uma das internações, chegamos à conclusão de que não deveríamos esperar mais. Chegara a hora de eu entrar na fila do transplante.

Entramos em contato com a equipe de coordenação de transplantes em MG, a equipe do HC-UFMG – Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Fiz vários exames para que o meu painel de características de compatibilidades fosse registrado e, oficialmente, eu entrasse na fila. O sistema é organizado, a fila é sistematicamente controlada, juntamente com o MG Transplantes – órgão estadual responsável pela captação das doações dos órgãos.

“Somente as pessoas como eu sabem o que é ficar em uma fila de espera, morrendo, na esperança do gesto de amor da autorização e doação do familiar de um ente com morte cerebral

Minha doença avançava com muita rapidez. Além de uma miocardiopatia hipertrófica, eu estava acometido de uma dilatação das câmaras cardíacas. Fui levado às pressas do Hospital Felício Rocho direto para a UCO-Unidade Coronariana do HC-UFMG – uma UTI do coração. Minha pressão já era muito baixa a ponto de eu poder falecer a qualquer momento. Fui para a frente da fila, de prioridade, pois eu dependia de uma medicação intravenosa para me manter vivo.

“Nunca desanimei”

Já fraco, mal conseguia escovar os dentes, questionava meu pai sempre 24 horas por dia ao meu lado: “Pai, meu coração está chegando?” Meu pai, sempre na esperança de uma doação, tentava me acalmar, organizou uma corrente de oração, independente de qualquer religião ou crença, mobilizou as redes sociais, mídia escrita e televisiva… Fizemos bonito.

Nunca desanimei. Tive momentos ruins na UCO, pessoas morriam ao meu lado, barulho infernal das máquinas, nada era confortável a não ser a minha fé. Meu coração entrou em taquicardia, meu CDI disparou dois choques em mim, uma coisa terrível, ficou tudo branco, eu “morri” um pouco ali… Mas voltei. No dia 22 de junho de 2014, eu falei: “Pai, acho que meu coração está chegando”. Eu senti o momento. Sim, meu filho, ele vai chegar, disse ele esperançoso. Um dia depois, na tarde do dia 23 de junho, entra em nosso box da UCO o cardiologista de plantão disparando: “temos um doador”. Meu pai saiu gritando de alegria, chorando, comemorando, nunca vi meu pai assim, até assustei! Pronto! Estava aliviado!

Luta durante a operação

A cirurgia foi complicada. Tive parada cardíaca antes da cirurgia, fiquei 15 minutos sendo reanimado e, quando as esperanças já estavam acabando, meu velho coração resolveu dar seu último suspiro e permitiu a cirurgia. Depois do coração novo, tive novas intercorrências. Finalmente, meu novo coração foi implantado e voltei para a UCO em estado grave, porém estável.

Contrariando todas as previsões médicas naquele mesma manhã do dia 24 de junho, eu voltei da anestesia, e o suspense era, depois de tantas horas com complicações, se eu havia ficado com alguma sequela. Abri os olhos e ainda com o tubo respiratório na boca disparei: “Cadê meus óculos? Cadê meu pai?”. Reações normais, alívio de meu pai e de todos. Ainda grogue, fui me recuperando aos poucos. Meus exames estavam todos ótimos, aos poucos fui me livrando dos tubos, drenos, acessos e monitores conectados ao meu corpo – eram muitos!

Recuperação

A segunda etapa foi a recuperação. Como eu tenho um órgão que não é meu dentro do meu corpo, o sistema imunológico tenta atacá-lo como se fosse um corpo estranho. Medicamentos fortes inicialmente são necessários para que não aconteça a rejeição do órgão. O acompanhamento é sistemático. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, terapeutas, psicólogos, muita gente. Fui transferido para um quarto, um andar isolado onde não podia me expor a qualquer tipo de contaminação, pois meu sistema imunológico ainda era muito baixo devido à medicação.

O tratamento pós-transplante caminhou bem. Fiz algumas biópsias cardíacas em que se recolhia um pedacinho do coração para análise laboratorial para saber se havia alguma rejeição celular. Tudo certo. Rejeição zero.

“A minha vida agora é absolutamente normal, escola, alimentação, divertimento, viagens, esporte. O único detalhe é que diariamente preciso tomar um remédio imunossupressor

Vida normal

Chega a hora de irmos pra casa, depois de mais de um mês fora volto pra casa. Agora a vida começa a normalizar, alimentação adequada, fisioterapia e vida normal. O transplantado tem acompanhamento médico gratuito no setor de transplantados cardíacos do Hospital das Clínicas. As consultas são previamente agendadas, e há um acompanhamento onde alguns exames de rotina são analisados como de qualquer pessoa.

A minha vida agora é absolutamente normal: escola, alimentação, divertimento, viagens, esporte, tudo normal. O único detalhe é que, diariamente, o transplantado precisa tomar um remédio chamado imunossupressor (se lembra do risco de rejeição?). Pois é, a função dele é fazer com que o novo órgão não seja rejeitado pelo corpo.

Medicamento em falta

O medicamento é fornecido gratuitamente pela Farmácia de Minas – Farmácia do Governo do Estado de Minas Gerais. Dependendo de cada transplantado, ele custa em média em torno de R$ 650 mensais. Desde junho deste ano de 2016, o medicamento não está sendo fornecido pelo Estado. Vários transplantados estão em situação crítica, pois, se o medicamento acabar, eles podem vir a falecer pela rejeição ao órgão. A maioria não tem condições de comprar o medicamento, uma situação gravíssima, além do que há dificuldade de disponibilidade dos mesmos nas farmácias.

Estou sempre acompanhando sites, fanpages, blogs e divulgações sobre doações de órgãos. Acho muito importante a conscientização das pessoas para a doação de órgãos. Somente as pessoas como eu sabem o que é ficar em uma fila de espera, morrendo, na esperança do gesto de amor da autorização e doação de algum familiar de um ente com morte cerebral. É muito importante que as pessoas conversem sobre esse assunto nas suas famílias e, desde já, declarem-se como doadores de órgãos. Pense bem: uma pessoa pode salvar várias vidas.

Desinformação sobre transplante de órgãos

Há muito mito e desconhecimento sobre a doação de órgãos. A doação somente é possibilitada depois de constatar morte cerebral, que não tem nada a ver com coma. Morte cerebral é irreversível, na qual o corpo se mantém “vivo” somente pelo comando das máquinas. Logo após a morte cerebral, o coração não suporta e acaba parando.

Há dezenas de pessoas na fila de transplante de coração, milhares na fila de transplante de rins etc. Podemos salvar essas vidas, fazer reviver as pessoas que sofrem nas filas. Fui salvo por um gesto de amor e desejo o mesmo para essas milhares de pessoas.

- Patrocinado -
Leia também...

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

- Advertisment -
Arthur Menezes Senna Jeronymo
Arthur Menezes Senna Jeronymo
Arthur Menezes Senna Jeronymo, 18, é estudante do 1º ano do ensino médio e recebeu um coração transplantado em 2014 no Hospital das Clínicas da UFMG, em Belo Horizonte. Crédito da foto: Arquivo pessoal/Arthur Menezes Senna Jeronymo

MAIS POPULARES